Vidas Secas é um romance de Graciliano Ramos publicado em 1938. A obra faz parte da segunda fase do modernismo (geração de 1930).
O livro aborda a pobreza e as dificuldades da vida do retirante no sertão nordestino, narrando as fugas de Fabiano e da sua família da seca.
Resumo da obra
Fabiano, sua mulher e os filhos fogem da seca no sertão nordestino até encontrarem uma fazenda abandonada. Sem condições de continuar a viagem, eles se instalam nela. Poucos dias depois, a chuva chega ao sertão. O dono da fazenda aparece e Fabiano é contratado como vaqueiro.
Durante este período, Fabiano é preso, sua esposa Sinhá Vitória sonha com uma cama de amarração de couro, o menino mais velho pergunta sobre palavras e o menino mais novo tenta montar em um cabrito.
A vida de vaqueiro segue até que a próxima seca os expulsa novamente. A família deixa a fazenda e parte para o sul em busca de sobrevivência.
Análise da obra
Contexto histórico
A obra foi escrita durante a década de 30, período de grande turbulência política no Brasil e no mundo. Os Estados Unidos viviam uma grande crise econômica e a Europa se recuperava do fim da Primeira Guerra. O Brasil era comandado por Getúlio Vargas que, em 1937, instalou o Estado Novo, um regime autoritário e anticomunista.
Graciliano Ramos era influenciado pelo marxismo. Chegou a ser preso durante o Estado Novo e se filiou ao Partido Comunista Brasileiro em 1945.
Em Vidas Secas, Graciliano enfatiza como Fabiano é explorado pelo dono da fazenda: seu patrão o rouba nas contas, cobra preços abusivos pelos mantimentos e juros altíssimos. No final, Fabiano foge da seca e da dívida que tem com o seu patrão. Mesmo após trabalhar mais de um ano, ele continua sem nenhuma posse.
Ilustração de Fabiano por Aldemir Martins.
As influências ficam claras quando Graciliano retrata a miséria de Fabiano. Essa miséria torna o homem bruto e ele mesmo se vê mais como um bicho do que como um ser humano.
A condição de homem bruto faz com que Fabiano seja explorado pelo seu patrão e oprimido pelo governo. Mesmo que a miséria venha pelas condições da natureza (a seca), os homens se aproveitam dela em vez de ajudar aqueles que mais precisam.
Corrente literária
Vidas Secas é um romance regionalista que faz parte da segunda geração do modernismo, também conhecida como geração de 30.
Essa fase é caracterizada pela consolidação dos marcos da Semana de Arte Moderna de 1922. A busca por uma literatura nacional levou os autores a procurar em suas regiões matéria-prima para as suas obras.
No caso de Graciliano Ramos a fonte foi o sertão. O livro é cheio de termos regionais e a escrita se aproxima mais da fala. Os temas sociais voltam para a literatura que agora também tem o papel de denunciar a miséria e a exploração.
A maior liberdade formal também possibilita novas experiências na narrativa. Em Vidas Secas observa-se isso nos capítulos que são soltos - não há uma linearidade que una os capítulos como costumava acontecer com os romances. Eles são quase como contos com as suas narrativas próprias.
Outra característica marcante é o aprofundamento psicológico das personagens. Nesta obra, o autor retrata pessoas simples, mas com complexidades, tornando-as personagens profundas.
Personagens
Fabiano
É o pai da família, um homem bruto, que muitas vezes se confunde com um bicho. Fala pouco e se comunica mais com grunhidos. É um homem bravo, com o coração perto da goela, porém respeita as autoridades.
Sinhá Vitória
É a mãe, assim como o marido também não fala muito. Seu maior desejo é uma cama de armação de couro.
Os filhos
Os filhos são o menino mais novo e o menino mais velho (atenção para o fato dos meninos em momento algum serem nomeados). O primeiro tem mais admiração pelo pai e quer ser igual a ele. O segundo gosta mais das palavras, queria que seus pais falassem mais, fica mais perto da mãe porque ela não é tão bruta.
Baleia
Baleia é a cachorra da família e a personagem que mais se assemelha a um ser humano. É a única personagem do romance que sente angústia e que, mesmo sem falar, sabe se comunicar melhor que os outros membros da família.
Personagens secundários
Os outros personagens menores são o Soldado Amarelo, que prende Fabiano injustamente, o patrão de Fabiano e o Seu Tomás, que só aparece nas lembranças da família. Seu Tomás era um homem abastado, inteligente e que lia muito, porém isso de nada lhe serviu quando a seca chegou e ele também teve que abandonar a fazenda.
Aspectos de destaque na obra
Graciliano Ramos representa com primor a miséria do retirante ao retratar os humanos como bichos e os bichos (a Baleia) como humanos. Fabiano se confunde com um animal por ser bruto, se comunicar com grunhidos, e está à mercê da natureza (da seca e da chuva).
Fabiano quer se revoltar contra as injustiças que sofre por parte do patrão e do soldado amarelo, porém, como um animal domesticado, aceita os maus-tratos. As crianças seguem pelo mesmo caminho. Sem educação, aprendem com os pais como viver, ouvindo poucas palavras e levando muitos safanões.
Já a Baleia tem sonhos, se comunica com o seu corpo de forma mais eficaz que os humanos se comunicam com as palavras. Salva a família da fome no começo do livro e o capítulo de sua morte é um dos trechos mais bonitos da prosa brasileira.
Ilustração da Baleia por Aldemir Martins.
Resumo por capítulo
Mudança
O primeiro capítulo do livro retrata Fabiano, sua mulher e os filhos andando pelo sertão até a chegada a uma fazenda abandonada. Com muita fome, sede e sem condições de prosseguir viagem, eles se instalam por lá. O capítulo termina com uma façanha da cachorra Baleia, que caça um preá e salva todos da fome.
Fabiano
Chove no sertão. Com o fim da seca, o dono da fazenda regressa. Fabiano é contratado como vaqueiro. Ele se questiona se é um homem ou um bicho.
Cadeia
Fabiano vai para a cidade comprar mantimentos, se envolve num jogo de cartas com um soldado amarelo e acaba sendo preso. Fabiano não sabe falar direito e a falta de comunicação o coloca na prisão injustamente.
Sinhá Vitória
Nesse capítulo, há uma espécie de apresentação dessa personagem e da sua relação com as pessoas da sua família. Sinhá Vitória narra os seus afazeres domésticos enquanto o marido dorme na rede. O único sonho de Sinhá Vitória é uma cama de armação de couro.
O menino mais novo
Narra a admiração que esse personagem tem pelo seu pai, especialmente quando o vê vestido de vaqueiro montando uma égua brava. De tão admirado, o menino mais novo tenta montar uma cabra para imitar o pai, mas sem sucesso.
O menino mais velho
Ele quer saber o que é inferno, uma palavra muito bonita que ele ouve, mas não sabe o que significa. Procura a mãe para ajudá-lo pois seu pai é muito bruto. Porém, a resposta da sua mãe também não o satisfaz. Ele não acredita que uma palavra tão bonita seja o nome de um lugar tão ruim.
Ilustração do menino mais velho e Sinhá Vitória por Aldemir Martins.
Inverno
É o momento em que as chuvas alagam o sertão. A família tem medo de morrer afogada. No entanto, a chuva também afasta o medo da fome e da seca. Enquanto chove, eles ficam dentro de casa ouvindo as histórias de Fabiano, que são inventadas e com pouca verossimilhança.
Festa
Toda a família se arruma para ir a um evento de Natal da cidade. Porém, no meio do caminho, todos já estão descalços e com lama nos pés. Fabiano bebe muita cachaça, tenta arrumar briga e depois dorme no chão usando as roupas como apoio. Sinhá Vitória admira a quermesse e a beleza das coisas, sonhando em ter uma cama de verdade, e os meninos andam atrás da cachorra.
Baleia
É o nono capítulo e o mais marcante do livro. Fabiano que sacrificar a cachorra que está doente. Mas o tiro não sai preciso e acerta as nádegas da Baleia. Ela consegue escapar até o lamaçal. Ferida e à beira da morte, Baleia pensa no ocorrido de forma confusa: pensa nas suas obrigações de cuidar do gado, das crianças e na sua casa. No final ela morre sonhando com um paraíso, um mundo cheio de preás e um Fabiano enorme.
Contas
O patrão trata Fabiano de forma injusta. Ele tem direito a uma parte do gado, mas fora isso tem que recorrer à dispensa do patrão para outros mantimentos. O patrão cobra tudo muito caro e logo Fabiano gasta mais do que ganha. Ele fica endividado com o patrão, que cobra juros. Fabiano esboça uma revolta, mas aceita as contas do patrão por medo de ser demitido.
O Soldado Amarelo
Fabiano reencontra o soldado amarelo sozinho e perdido nas veredas. Ele pensa em se vingar do soldado, mas desiste e o ajuda a achar o seu caminho.
O mundo coberto de penas
As aves estão levantando voo e partindo para o sul. Este é o sinal que a seca está voltando. Fabiano vê as aves e fica com raiva.
Fuga
A seca volta e a fazenda já não oferece mais subsistência. A família parte pelo sertão em direção ao sul em busca de uma cidade grande.
"O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos."
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